Projeto PRETO
AS PESSOAS | O PERCURSO | O CALENDÁRIO | PEÇA
“A escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte… É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do norte.”
Joaquim Nabuco / Caetano Veloso
O PROJETO
É a nova criação do dramaturgo e diretor Marcio Abreu, junto à companhia brasileira de teatro e artistas colaboradores.
Um trabalho no teatro que promove uma investigação sobre racismo e negação das diferenças a partir da vivencia brasileira e em perspectiva com o mundo. Uma experiência que busca expandir através da arte as percepções sobre o outro e sobre os espaços de convivência e de formação das sensibilidades.
O projeto nasceu como um desdobramento indesviável de projeto brasil, a obra mais recente da companhia. O mergulho na literatura de formação do pensamento sobre o país, as visões sobre a nossa história sócio-política e étnico-cultural, as viagens pelo Brasil em convivência com as múltiplas diferenças, as viagens por outros países, vivenciando o olhar estrangeiro sobre nós e vice-versa e a radical consciência da reverberação de tudo isso para além do desafio de uma única peça, foram alguns dos aspectos que fundamentaram a decisão de criar PRETO.
Duas referências básicas influenciam e alimentam o processo de criação desta peça: de um lado a obra de Joaquim Nabuco, intelectual e politico abolicionista brasileiro que viveu no séc XIX entre o Brasil e a Europa, do outro uma obra contemporânea do professor e cientista político sul-africano Achille Mbembe, A Crítica da Razão Negra, a qual, de maneira ao mesmo tempo erudita e iconoclasta, propõe uma reflexão crítica indispensável para responder à principal questão sobre o mundo no nosso tempo: como pensar a diferença e a vida, o semelhante e o dissemelhante?
A CRIAÇÃO
Nos últimos anos, em suas recentes criações, Marcio Abreu vem investigando e criando dramaturgias que evocam a dimensão pública do teatro, como lugar de convivência e manifestação de presenças ética e esteticamente articuladas.
Em PRETO segue o caminho de interseção entre campos distintos da arte e do pensamento, dialogando com a performance, a música, a dança, as artes visuais, a filosofia, a literatura e a antropologia.
Além disso, coloca em relação diferentes culturas e pontos de vista, pois reúne para este trabalho artistas brasileiros e estrangeiros, ampliando as questões e buscando indissociabilidade entre conceito, processo criativo e modos de produção. O processo criativo será dedicado ao desenvolvimento da dramaturgia em perspectiva plural, articulando textos de ficção criados especialmente para a peça , espaço físico, experimentando dimensões e entendimentos do “dentro” e do “fora” e vivências do que é “privado” e do que é “público”, sonoridades e presença física a partir do material pesquisado e da experiência de atravessamento de instâncias do real na construção do objeto artístico.
Potencializamos a sala de ensaio como instância fundamental da criação, como laboratório vivo e aberto em contraposição à execução de um projeto pensado inteiramente a priori.
A DRAMATURGIA
O diálogo com o real sem o propósito de reproduzir a realidade é uma das instâncias da linguagem experimentada em PRETO.
Falar a partir de um tema e não sobre um tema. Se deixar afetar por um assunto e reagir artisticamente a ele ao invés de apenas descreve-lo teatralmente ou transpô-lo para a cena.
Desta maneira entendemos o teatro como campo de jogo e invenção. A dramaturgia como lugar de articulação e acesso ao desconhecido, à experiência única do encontro, a ativação das presenças dos intérpretes e das pessoas do público na dimensão relacional, potencializando o “entre”, o lugar invisível que existe ligando as pessoas quando entende-se o teatro como um acontecimento inscrito no tempo real, concreto.
A dramaturgia simultânea ao processo de criação do espetáculo e indissociável da encenação.
“Privilegiando uma forma de reminiscência, meio-solar e meio-lunar, meio-diurna e meio-noturna, nós tínhamos em mente uma única questão – como pensar a diferença e a vida, o semelhante e o dissemelhante, o excedente e o em comum?”
Achille Mbembe
Rodrigo Bolzan e Gracê Passo – foto: Isadora Flores
Gracê Passo – foto: Isadora Flores