Krum
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CABEÇA FORA D’ÁGUA
Fortes ruídos lá fora. O planeta balançando. Guerras. Obscurantismos. Nacionalismos crescentes. Belicismos exacerbados. Ataques sistemáticos às diferenças. Negação do outro. Preconceitos. Extremismos religiosos. Linchamentos públicos.Violações físicas. Extermínios. Surdez epidêmica. Ignorância cultivada. Acúmulos obscenos. Barbárie. As sociedades humanas se debatendo sem sentido.
Enquanto isso, a vida de cada um. Os rituais do cotidiano. O nascimento de alguém. Pessoas que se casam. O trabalho. Os afazeres da casa. Os vizinhos. O desejo de vencer na vida. O dinheiro. A falta dele. As contas para pagar. A saudade de alguém. Os amigos. Os reencontros. A necessidade de ir embora. De mudar tudo. De trocar de pele. A vontade de construir alguma coisa. Os fracassos. A morte de alguém. A busca pela felicidade e por algum sentido para tudo isso.
Krum foi escrita nos anos 70, por Hanoch Levin, um jovem autor influenciado por Tchekhov e Beckett, num país recente e mergulhado em conflitos e contradições. Apenas no período de vida do autor, de 1943 a 1999, foram sete guerras. Segunda Guerra Mundial. Guerra da Independência. Guerra do Sinai. Guerra dos Seis Dias. Guerra do Yom Kippur. Primeira Guerra do Líbano. Primeira Intifada.
Se o homem é, em certa medida, a emanação da paisagem de sua pátria, para Hanokh Levin a paisagem da pátria foi a guerra. Ele começou a escrever cedo e em forte oposição a esse estado de coisas. No seu primeiro texto ele cria uma cena na qual um general em meio ao triunfo da vitória na guerra, faz um discurso aos vencedores, mas na plateia não há ninguém. Não há, portanto, vencedores. Estão todos mortos. Sua crítica voraz à violência do Estado e à ocupação por Israel dos territórios palestinos causou escândalo e fortes reações.
Há em Tchekhov do entretempo, Beckett do pós-guerra, Levin do final do séc XX e nós hoje, algo em comum. Enquanto o mundo turbulento destila suas violências, as pessoas tentam seguir suas vidas, muitas vezes sem brilho, confinadas em suas casas ou alimentando expectativas, sonhos de consumo, esperança de dias melhores.
Krum é uma peça com dois enterros e dois casamentos. Não existem grandes feitos, tudo é ordinário. Entre as duas cerimônias vemos, numa sequência de cenas curtas, o quadro da vida dos habitantes de um bairro remoto. Rimos deles. É uma peça sobre pessoas. O que está em jogo é a matéria humana. Habitam o mundo de Krum seres pequenos, sem pudor na palavra, vivendo sob um teto baixo. Há um olhar ao mesmo tempo cruel e generoso sobre vidas mínimas ou, como em Tchekhov, sobre o que existe de mínimo no ser humano.
“Eu só consigo manter a cabeça fora d’água”. É o que diz, a certa altura da peça, a mãe de Krum. É aqui que nós estamos. Nós também, do nosso pequeno mundo, tentando nos manter eretos, tentando olhar mais além e, a partir daí, inventar o que não existe, criar o que não se suspeita.
É por isso que decidimos fazer mais uma peça. E é por isso que a gente se reúne no teatro e celebra o coletivo. Renata. Grace. Cris. Inez. Danilo. Ranieri. Rodrigo. Edson. Rodrigo. Nadja. Fernando. Marcia. Felipe. Giovana. Isadora. Faliny. Patrick.Ticiana. Cássia. Eloy. Henrique. Nana. Luciana. Iuri. Todos os outros… O meu afeto mais profundo.
Marcio Abreu