Volta ao dia…
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2004/2009
Bóias ou Volta ao Dia em Oitenta Mundos
Ana e Margrit, duas mulheres que não se conhecem, encontram-se num apartamento no qual nunca haviam estado. Deste ponto – e na inspiração dos textos de Julio Cortázar – parte a peça Volta Ao Dia…
“Quando não se tem muita certeza de nada, o melhor é criar deveres para si próprio, como bóias.”Um dia li esta frase no conto “O Perseguidor”, que é uma homenagem libertária que o Cortázar faz ao pássaro do Jazz Charlie Parker, e achei que devesse insistir na leitura da sua obra. Era 1999, e não foi nada difícil. Eu estava justamente encenando “Adeus, Robinson!”, um texto radiofônico do próprio Julio Cortázar. O ensejo da montagem foi um estímulo e desde então, quase que diariamente, convivo com o imaginário torto, livre e assustadoramente real dos seus textos.
Há muito que as “certezas absolutas”, fortes indicadores de ignorância, poder, moralismo, religiosidades desesperadas, preconceito e desamor não me seduzem mais. O encontro diário com a dúvida de agora, a incerteza iminente e a de depois têm sido o motivo da reflexão e a lida de todo dia.
Há dias em que o sujeito acorda e pensa: “Até aqui eu cheguei. Daqui eu não passo.” A dúvida pode ser um fator de paralisia, sono, enfermidade e morte, mas, com grande dose de risco, talvez seja o fator de propulsão, o que gera o movimento, mostra a inquietação, tonifica os músculos do corpo.
Nada fora do comum, cada qual com a sua “vidinha”, de lá para cá, tentando pôr a cabeça para fora e respirar um ar mais fresco, conseguimos nos reunir ao redor da mesa para ler e nos inspirar. Cada dia no processo de trabalho determinou o que seria o dia seguinte, e assim continua. Pegamos uma carona com o Julio Cortázar e, como os “Autonautas da Cosmopista”, seguimos uma viagem com muitas paradas. Demos incontáveis voltas ao redor de nós mesmos, e do nosso quarto, da nossa casa, do outro na nossa frente, e assim por diante como numa espiral. Falamos de viagem, da busca incansável de si mesmo, de liberdade, apenas isso, todos os dias.
Marcio Abreu.
Curitiba, maio de 2002.